Entrei numa dessas casas de favores em Bruxelas, eu era de leite e pólvora mas entrei mesmo assim. Sentei lá com dois amigos que tavam junto de viagem. E assim. Era tudo luxo naquela época, tudo veludo, um velho tocando piano, tudo de velas, cheiro de armário… Lembro de nem sequer ter pedido direito alguma coisa pra beber e tudo aconteceu. Ekaterina, não era o nome dela de verdade, mas pra mim servia. Veio se abanando e olhou pra mim. [risos] Minha vó dizia que no amor as retas todas são um tanto mais curvadas. [sussura] Ela era uma moça sem respeito! [me olhou pedindo segredo] E linda. Nem virou os olhos, olhar direto-direto. Ela era toda vermelha, do vestido até o sangue. Toda assim, sabe? Ah, esqueci de contar, eu não queria ir não, por pouco que eu não ficava no hotel, o Collet que me arrastou! Ainda bem, o safado. Ia me arrepender. A Ekaterina sentou assim como que você ta aí. Só que numa cadeira de frente assim, não virou os olhos nem um segundo e me disse:
EKATERINA : Se você disser que tem, eu tenho. Se você disser que vai, eu vou. Se você disser que dá, eu do!*
Elas tinham uma frase pronta pra se apresentar, fui descobrir isso depois só.
CLOUD: Obrigado, nós viemos só pra beber.
EKATERINA: Eu também.
CLOUD: A dama não trabalha aqui?
EKATERINA: Se você quiser que eu trabalhe, eu trabalho.
Deu até tremedeira na hora. Mas naquela época a mulher tinha que tá no lugar dela, inda mais sendo prostituta [risos]. Aí brinquei.
CLOUD: Eu não preciso pagar para ter…
EKATERINA: Nem eu.
Aí. Você é jovem e ainda não sabe dessas coisas. Mas eu olhei lá no fundo do olho dela e vi o outro lado. Isso que eu vou dizer você não vai entender, mas as pessoas tem avessos, e a coisa mais dificil de se fazer é dobrar elas. Eu vi a outra Ekaterina e me mijei todo.
CLOUD: Você é bela. Inteira. Com todo respeito, digo isso a senhorita.
Dizer que tem respeito por uma moça sem respeito é fulminante. Não esqueça isso, não! Ela desmontou inteira e começou a chorar, no meio do lugar. E o piano lá. A maquilagem foi inteira e ela continuou vermelha, mas por outros motivos. E aí que se deu o arremate…
EKATERINA: Para ter você, eu não teria coragem de cobrar!
CLOUD: Para ter você, eu até teria coragem de pagar!
[Ele sorriu malicioso] Depois de tudo ela largou a vida sem honra. [ri] Ficou uns anos assim, sabe? Foi indo longe, longe. Tirou o vermelho… e depois de muito tempo virou princesa! [Princesa?] É salvei! Por causa daquele dia meu com ela, aqueles lados de lá teve ela, ela virou a princesa de Ligne! A gente deve ter cuidado quando fala que uma mulher é bonita de verdade, elas vão longe depois disso!
Cloud Mallet
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Cômicamente, depois de pesquisar pra caralho fui descobrir que a “Ekaterina” em questão na verdade se tratava (De acordo com as informações de Cloud) da Princesa de Ligne, Alix Marie (vide google) que casou-se em 1950 com o Príncipe Antoine. As datas não batem, nem os eventos, somente a imaginação de Cloud, o salvador de Ligne!